Juliana Grandini

quarta-feira - 26 de agosto de 2020

A situação do mercado de créditos não performados na visão de Juliana Grandini

Este mês, nossa entrevista é com Juliana Grandini, COO da Intrum. Advogada e especialista em negociação, liderança, planejamento e desenvolvimento de negócios, Juliana fez cursos no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e IESE. Além disso, possui habilidades na condução de processos de transformação, estruturação e reestruturação de modelos operacionais e implementação de projetos complexos.

Já a Intrum, empresa sueca bem conceituada no mercado de créditos mundial, chegou ao Brasil em 2018 por meio da aquisição do controle de uma empresa dedicada ao master servicing de carteiras imobiliárias. Então, seu maior objetivo em terras brasileiras está bem definido por conta do plano de negócios que estabeleceu: preparar a empresa para crescimento acelerado a partir de 2020.

Confira a nossa conversa com a especialista sobre o mercado financeiro atual, bem como o de créditos não performados.

Portal Cessão de Créditos: Depois de vários anos consolidada no mercado de crédito europeu, a Intrum abriu um escritório no Brasil. O que os motivou a isso?

Juliana Grandini: A Intrum é uma empresa de 100 anos, listada na Nasdaq,  presente em 25 países e consolidada como líder em seu mercado na Europa. A empresa já vinha estudando a América Latina como opção para ampliar seu crescimento, com o olhar muito direcionado ao Brasil por uma questão estratégica. Pois o país, hoje, é um dos maiores mercados de NPL (non-performing loan ou, em tradução livre, crédito não performado) do mundo se não o maior. Por outro lado, ter uma base aqui também amplia a possibilidade de prestação de serviços como CMS (credit management services) para as empresas que atendem tanto na Europa quanto no Brasil. Assim, criando uma sinergia que nenhuma outra companhia no mundo pode oferecer. 

Ou seja, a experiência acumulada em muitas décadas na Europa, com sistemas e modelagens sofisticadas e com um cuidado muito especial no relacionamento com as pessoas que possuem dívidas em atraso, está agora à disposição no Brasil.

Portal: A empresa possui 4 valores principais: empatia, ética, dedicação e solução. Como eles são trabalhados nas negociações para que o cliente saia satisfeito?

Juliana Grandini: Aqui na Intrum a aplicação desses valores vai muito além do cliente final. O resultado esperado da nossa missão é ser percebido pela criação de valor e por sermos confiáveis em toda a cadeia. É por isso que nossa visão de longo prazo é sermos confiáveis e respeitados por todos que fornecem e recebem crédito. 

No Brasil, nós dividimos nossa estratégia em duas frentes: CMS e aquisição de portfólios. Como CMS, realizamos a gestão de carteira performing e non performing. Também somos responsáveis pela carteira de clientes ativos de nossos clientes, o que nos traz uma preocupação ainda maior na geração de valor. Essa preocupação não está vinculada apenas em transformar o processo de negociação e atendimento para o cliente final. Mas especialmente em dar tranquilidade às empresas que atendemos como servicing de que extraímos o melhor resultado de seus portfólios, cuidando, ao mesmo tempo, das relações com seus clientes. 

Tudo isso significa que a aplicação dos valores orienta a nossa cultura e tomada de decisões de forma muito intensa, o que é percebido pelo cliente final que termina satisfeito com a forma com a qual suas pendências são solucionadas.  

Portal: Estamos no meio de uma crise mundial não só na saúde, mas também na economia. Você vê essa situação como uma ameaça ou uma oportunidade para as pessoas quitarem as suas dívidas?

Juliana Grandini: A crise pela qual estamos passando deve afetar nosso negócio de forma muito ampla e com nuances muito diferentes, a depender do originador do crédito. De forma simplista, vou dividir o cenário em dois: um para as empresas que operam crédito como produto (bancos, financeiras, fintechs) e outro para empresas que financiam seus clientes na aquisição de seus produtos e serviços (construtoras, fábricas, distribuidores, escolas, etc).

No cenário de bancos e financeiras, acostumados com o risco de crédito e em ceder de forma frequente os ativos atrasados, haverá tendência à flexibilização. Já no cenário das empresas que financiam seus próprios produtos e serviços, e que podem estar enfrentando uma maior pressão por liquidez dada a tendência de maior inadimplência e eventualmente menores índices de venda, fica difícil prever se haverá oportunidades ou maior inflexibilidade. 

Aqui, lidamos com empresas muito maduras em suas áreas de crédito e cobrança, bem como com as que não possuem ainda monitoramento de safras, modelos de propensão e escoragem ou estratégias de recuperação que possibilitem tirar a pressão e direcionar os esforços para a melhor solução possível.

Portal: Pode nos contar um pouquinho de como você enxerga o mercado de créditos não performados em nosso país daqui pra frente?

JG: Estamos entrando em um cenário onde vai haver um aumento da oferta e também da demanda por esse tipo de papel. O nível de endividamento só não está maior por conta das ações de prorrogações e medidas de renegociação adotadas pelos bancos. 

No entanto, já vemos alguns sinais de que estamos nos aproximando a um nível de endividamento histórico:

  • Uma pesquisa recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (28/07/2020) mostra que tanto o endividamento quanto a inadimplência estão em alta: 67,4% das famílias ouvidas estavam endividadas – maior percentual da série histórica que se iniciou em 2010.
  • A provisão dos bancos para devedores duvidosos (PDD) atingiu R$ 29,1 bilhões entre abril e junho – próximo ao dobro do mesmo período que 2019.

Por outro lado, encontramos uma taxa de juros nos menores patamares da história, o que amplia o interesse de investidores sobre isso, o que resulta em um maior risco, mas também em possibilidades de ganhos maiores. Nós esperamos, também, que mercados que habitualmente não cedem NPLs comecem a operar no mercado, ampliando ainda mais a oferta.

Considerando todos esses fatores, esperamos um ciclo de aumento para o mercado de créditos não performados, com um pico entre 2021-2022.


Para conhecer outras visões de quem entende do assunto, você pode conferir outras duas entrevistas: uma feita com a CEO e cofundadora da Uffa, Ana Paula Pisaneschi, e outra com o sócio sênior da Pantalica Partners, Salvatore Milanese.